Artigos

A evolução de patamar dos clubes nordestinos presentes na Série A

Artigo
  • Confira a análise do Diretor de Negócios e Líder do time da AL_sports,  Arthur Lobo sobre os balanços financeiros e o processo de transformação dos clubes da região.

 

Por muito tempo, os clubes de futebol traçavam a suas histórias – fosse ele de gloria ou de fracasso – proporcional à abnegação e emoção dos gestores.  Entretanto, o que vemos hoje é  que um processo de evolução consistente e duradouro se afastam um pouco destes fatores e se aproximam a aspectos relacionados a gestão corporativa,  racionalidade e profissionalismo.

É notório que nas últimas temporadas alguns clubes do Nordeste tem assumido um papel de destaque no cenário nacional, e até internacional. Os motivos? São muitos. Nesta análise, vamos pontuar aqueles que consideramos os mais relevantes, destacados da atuação dos quatro times da região presentes na Série A do Campeonato Brasileiro de 2020. Passamos, então, a contextualizar o processo evolutivo e de mudanças dos clubes de destaques na região. Vamos aos números divulgados nos balanços financeiros.

 

 O Sport e seu processo de aprendizado

Vamos iniciar a análise pelas bandas do Recife. Mais precisamente pela Ilha do Retiro, onde habita o Sport Club do Recife, que dentre todos da Série A o que tem, talvez, o maior desafio.

O Leão da ilha vinha obtendo bons resultados dentro de campo, chegando a ter um faturamento acima de R$ 100 milhões, mas as consequências de uma má-gestão mostraram as caras em 2018, após o rebaixamento do clube para a série B do campeonato brasileiro.

Após esse baque, o clube conseguiu voltar de forma imediata à série A, grande conquista que deve ser comemorada e aplaudida pela gestão recém chegada. No entanto, a situação financeira ainda é preocupante. Apesar de ter reduzido o seu passivo total em relação a 2018, o clube chega a um cenário de acúmulo de obrigações tributárias e ações trabalhistas superior aos R$ 89 milhões.

Ao alcançar a receita de R$ 37 milhões em 2018, o rubro-negro pernambucano evidenciou uma redução de proximamente 67% das receitas. Com muito empenho da nova gestão e com o “fator campo” contribuindo, o clube conseguiu fechar o exercício com um de déficit de 22 milhões apenas. O déficit poderia ser muito maior  se considerarmos o a ruptura significativa de suas receitas e o cenário encontrado pela atual gestão. O clube comemora em 2019 a redução de 38% de suas despesas, e o principal objetivo alcançado: o retorno a serie A.

Se seguir com bons resultados, em 2020 o clube deve chegar a uma receita próxima aos R$ 110 milhões – não considerando os efeitos causados pela pandemia. Mas os passivos e os erros de gestões recentes, será o grande adversário fora das quatro linhas em 2020.

Diante deste cenário, é clara  a necessidade de aproveitar o momento de crise para aprender com os erros recentes do passado. O momento é de organizar a casa, trabalhar e usar a criatividade para lutar pela permanência na elite do futebol brasileiro, pois ela significa muito. Uma coisa é certa: é preciso aproveitar a oportunidade para mudar principalmente fora do campo.

 

Ceará e Fortaleza em ascensão 

Seguindo viagem, desembarcamos em Porangabuçu para falar sobre o Ceará. Com o grande objetivo de permanecer na primeira divisão do Campeonato Brasileiro sem realizar irresponsabilidades financeiras, o Vozão, mesmo com o risco de rebaixamento, cumpriu o planejamento previamente traçado. O prêmio foi chegar ao seu terceiro ano na elite. Este resultado que é fruto de uma belíssima gestão, que caminha alinhada a uma política orçamentária realista e independente do fator campo.

A gestão alcançou um objetivo que poucos clubes do Brasil são capazes, que é o crescimento institucional relacionado com o baixo índice de endividamento. Algo notório, sustentável. Como um passivo de apenas 14 milhões e um faturamento acima dos 90 milhões o clube possui o menor endividamento dentre os clubes da serie A com balanço divulgado. Com o crescimento consistente consegue chegar a 45 milhões em despesas com o futebol e consegue dobrar as receitas referentes a vendas de atletas de 6 milhões para 15 milhões. O fator campo foi o principal adversário em 2019, a briga pelo rebaixamento reduziu o engajamento do seu torcedor/ associado e refletiu em uma redução significativa de receitas não relacionadas com os direitos de transmissão. O departamento de marketing e comercial do clube reduziu suas receitas de 38 milhões em 2018 para 31 milhões em 2019.

Cruzando a capital cearense, chegamos ao Centro de Excelência Alcides Santos, onde bate o coração do Fortaleza. O clube que inovou, cresceu, remodelou os seus processos internos e conseguiu atingir um crescimento de pouco mais de 130% em suas receitas entre 2018 e 2019.

A evolução dos números foi evidenciada em todos os segmentos: marketing, bilheteria, cotas, programas de sócio torcedor, televisivas e diversos outros.  Em seus números o O clube escancara um nítido crescimento estrutural fora do campo. O endividamento? Baixo, assim como o do rival. O Fortaleza comprovou que o futebol fora das quatro linhas pode mudar tão rápido como dentro do campo. Impressionante, não? Em 2019, o Leão do Pici atingiu a receita de R$ 120 milhões. Histórico.

A esta altura é importante pontuar que o crescimento e a notoriedade do futebol cearense talvez seja fruto de uma grande rivalidade, onde um clube alimenta o deseja de ser o melhor do outro. O Clássico Rei chegou a um patamar nunca antes visto, onde a gestão é grande diferencial. E ambos possuem.

 

Até onde vai o Bahia?

Desembarcamos em Salvador para analisar os maiores números da região. O Bahia chegou – impressionantemente – aos R$ 190 milhões de faturamento em 2019, recorde de receitas para um clube da região Norte e Nordeste do país. O Tricolor de Aço tem muito o que comemorar, pois coleciona crescimento em diversas modalidades, de venda de atletas ao programa de sócio-torcedor, licenciamento, redução da dependências dos direitos de transmissão e etc. A receitas com vendas de atletas mais que dobraram em 2019 e ultrapassaram a barreira dos 45 milhões e as receitas com marketing e matchday chegaram a casa do 52 milhões.

O crescimento como instituição é escancarado para todo o Brasil e vai além dos números. Basta falarmos sobre o novo centro de treinamento do clube baiano – de ponta, a nível europeu. O desenvolvimento de sus receitas empurra a mudança do patamar de investimentos no futebol para a casa dos R$ 130 milhões, representando quase de 70% de suas receitas em 2019.

Com o cenário apresentado, mesmo com as imprevisibilidades do futebol, o Esporte Clube Bahia tem bons fatores para a manutenção do seu desenvolvimento, sendo inevitável a aproximação de patamar financeiro com os clubes do eixo Sul e Sudeste.

 

 

O QUE PODEMOS EXTRAIR DA ANÁLISE DOS NÚMEROS:

 

Do Sport, a oportunidade de aprender com os erros.

O Sport Club do Recife é um claro exemplo de que o mundo do futebol gira rápido demais. As oportunidades para o desenvolvimento devem ser aproveitadas – e no caso do Leão, não foram. Presente na Série A de 2014 a 2018, o Sport colecionou boas campanhas e teve a sua marca como referência para a região durante um bom tempo. Nessa época, o modelo a ser copiado claramente era o do rubro-negro pernambucano.

O Leão realmente desgarrava dos demais. Os resultados dentro de campo encobriam o fracasso fora dele, mas rapidamente o clube deixou de ser um grande exemplo positivo em decorrência da perda de sua saúde financeira. A verdade é que a gestão então vigente conseguia encobrir a situação caótica, quiçá irresponsável, que o clube se encontrava. Esses fatos decorrem de um “pequeno detalhe” de gestão: a ausência de um estatuto que preserve as diretrizes a curto, médio e longo prazo como instituição – até hoje inexistente. Há uma interdependência incômoda entre as percepções do seu mandatário e ineficiência de regulação de conselho deliberativo com mais de 300 pessoas.  O clube perdeu a oportunidade de atrelar os bons resultados esportivos à uma boa gestão, minando seu crescimento como instituição.

Infelizmente perdeu o bonde.

O Sport retorna a elite nacional em 2020 sem uma reforma significativa do seu estatuto – e sem perspectiva para tal. Permanece vulnerável à capacidade e às decisões de gestores abnegados e apaixonados pelo clube, com um conselho deliberativo sem atribuições práticas e uma estrutura que inviabiliza o planejamento de médio e longo prazo. De fato, a instituição precisa mudar.

A grande conquista da atual gestão foi conseguir levar o clube ao acesso, um ano após a queda e após um grave colapso financeiro. O fato deve ser muito comemorado e exaltado, porém os erros cometidos são importantes demais para serem esquecidos, devendo ser lembrados como um grande exemplo de como não se fazer futebol.

 

O Bahia vem forte no cenário nacional

Após sofrer uma grande crise política e financeira em 2013, o Bahia conseguiu se recuperar e hoje desgarrar como o grande clube do Nordeste, sendo o dono de um cenário financeiro que se aproxima dos grandes.

Isso é resultado da adoção de uma gestão que deixa de lado as paixões e ganha aspectos corporativos. Apenas desta forma é possível explicar o que aconteceu no Esquadrão em tão pouco tempo. Há quatro anos, quando vivenciou uma intervenção judicial, o clube tinha uma receita de R$ 74 milhões e hoje alcançou o recorde das regiões Norte e Nordeste.

Parte deste resultado foi obtido com uma decisão importante: remunerar seus gestores estatutários, passo fundamental para profissionalizar os processos internos e externos. Essa conduta fez “virar a chave” daqueles que trabalhavam abnegados, tornando a obtenção de resultados um dever profissional, e não uma eventualidade. Esse fator denota o pioneirismo do Bahia da região, e reflete diretamente nos resultados que vemos hoje.

O melhor que se pode extrair desse cenário é a consistência no crescimento institucional. Mas destacamos que nada disso foi feito da noite para o dia: o clube foi repensado de ponta a ponta e o atual status é reflexo de uma mentalidade implantada lá atrás.

Os processos voltados para uma gestão profissional e corporativa, já não são novidades e ou experimentação na realidade do Bahia. O tempo e a manutenção contínua, sinalizam um caminho sem volta, mas o olhar atento e responsável devem sempre resguardar o crescimento sustentável e o cuidado daqueles que direcionam o clube nas decisões, já que no futebol é sempre tudo muito imprevisível.

Criar ferramentas que possam garantir um planejamento a médio e longo prazo, é fundamental para a continuidade do processo evolutivo, seja nos momentos em que a bola estiver entrando ou não. Esperamos que o Bahia continue nos trilhos.

 

A rivalidade como potencializador de resultados

Em território cearense, os dois grandes clubes do estado alinharam suas estratégias e deixaram para trás um cenário de pouca representatividade no Nordeste. Os ingredientes são os mesmos para a receita de cada clube: resultado esportivo, profissionalismo e planejamento. Além dos três fatores, podemos adicionar a rivalidade local como um ponto de impulsão ao crescimento.

O Ceará ascendia na Série A ao final da temporada 2017. Talvez muito mais por questões dentro das quatro linhas do que fora delas. A oportunidade foi aproveitada, a chave foi virada e foram garantidas políticas que elevassem suas receitas, contemplando um novo processo institucional.

Houve uma série de investimentos internos, como a mudança do estatuto, dos profissionais e da estrutura, o que tornou o ambiente propício ao desenvolvimento e possibilitou uma mudança do próprio posicionamento do clube. A ruptura interna trouxe uma estabilidade institucional, mesmo em um ambiente instável e imprevisível como é o futebol.

O Fortaleza é o novo case de gestão do Nordeste. Não à toa chama atenção nacional e internacionalmente. Em apenas três anos, deixou a Série C, foi campeão da Copa do Nordeste, da Série B e fez a sua primeira participação na Copa Sul-americana. Deixou uma receita de R$ 24 milhões para ter um faturamento de R$ 120 milhões em 2019 – mantendo o seu passivo na casa dos R$ 25 milhões.

Os números são importantes, mas as mudanças institucionais do clubes foram fundamentais para o seu reposicionamento de marca. Paralelo a isso tudo, o fator campo potencializou e encaixou com seu crescimento, a bola entrou dentro e fora das quatro linhas.

Nestes processos de reestruturação destacamos que os clubes cearenses, seguindo o exemplo do Bahia, também passaram a remunerar seus gestores estatutários como forma de profissionalizar a administração e extrair resultados relevantes. Parece ser o caminho das pedras seguido por aqueles que pretendem crescer constantemente.

Nas estratégias de posicionamento de marca, os clubes cearenses tem obtido bons resultados. Em 2019, o Leão atingiu o top 10 de ranking de sócio-torcedor, com mais de 35 mil associados ativos. O Ceará oscilou, até mesmo pelos resultados em campo, mas mantém a boa média de 30 mil sócio ativos.

Paralelo a tudo o que já foi pontuado, os clubes ainda atuam em parceria com o Governo do Estado, e conseguem dividir de forma surpreendente a Arena Castelão, com capacidade para 60 mil torcedores. O Estádio protagonizou verdadeiros espetáculos nos últimos anos para o país e para o mundo.

O futebol cearense caminha a passos largos em sua reformulação estrutural, com uma receita clara: engajamento local, estruturação institucional profissional e corporativa, e um planejamento responsável. Que os cearenses continuem nos ensinando com seus cases espetaculares.

 

Chegando ao fim da nossa análise, fica claro que o nordeste é campo fértil para o futebol e ainda tem muito a entregar para o mercado. Temos exemplos práticos que o crescimento sustentável passa por uma ruptura necessária nos processos institucionais enraizado nos clubes. Criar um ambiente focado em resultados,  mais corporativo e que potencialize o profissionalismo e a racionalidade, é o começo.

 

Arthur Lobo

Autor: Arthur Lobo

Diretor de Negócios e líder da AL Sports

Administrador de Empresas – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)/ Universidad de Sevilla – Espanha(UE)

Pós Graduado em Gestão de Negócios – Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)

Especialista em Gestão do Futebol – Confederação Brasileira de Futebol –  (CBF)

Analista de Desempenho – Confederação Brasileira de Futebol (CBF)

Marketing Internacional – Universidad de Sevilla/ Espanha – (UE)

Idealizado das CONFUTs -Nordeste e Sulamericana

 

Atuação: Sócio fundador da AL Sports e sócio do Grupo Prodieta

Referências Bibliográficas

Balanços oficiais divulgados pelo clube em suas plataformas virtuais.

NEWSLETTER

Cadastre-se para receber periodicamente nossas informações por e-mail.

Seus dados estarão protegidos e não serão usado para outros fins senão para comunicação com a AL Sports.