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As férias concedidas aos atletas, em razão da pandemia, são realmente férias?
Muito clubes de futebol da Série A do Campeonato Brasileiro de futebol e das primeiras divisões dos estaduais estão informando que colocaram os seus atletas das equipes masculinas e femininas em férias de 20 dias, amparados no texto da Medida Provisória 927, de 22/03/2020, que não foi pensada para as atividades esportivas profissionais.
Quando se pensa em atividade profissional de futebol, falando de jogadores, treinadores, médicos e de todos os envolvidos com a realização das partidas, no Brasil e no mundo, temos de pensar que ela não consegue seguir as normas existentes para os demais trabalhadores, sejam eles empregados ou autônomos. Isso porque as férias dos atletas só podem acontecer quando as competições vigentes estão encerradas para um ano e ainda não indicada a preparaçãopara as do ano seguinte. Quem define as férias de um jogador, portanto, é o calendário das competições fixado pelas federações, e não o seu empregador.
O direito às férias é assegurado a todos os trabalhadores, brasileiros ou estrangeiros, que estejam prestando seusserviços no Brasil, segundo o artigo 7º XVII, da Constituição Federal e artigos 129 e 130 da CLT, que assim estabelecem respectivamente:
“…
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social
….
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
Art. 129 – Todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977)
Art. 130 – Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977)
I – 30 (trinta) dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes; (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977)
Aos atletas, também existe o direito às férias na chamada Lei Pelé, que regula o esporte no Brasil. E pelo fato de ter sido criada justamente para defender os atletas, esta lei trata as férias com uma especificidade: o período deve coincidir com o recesso dos campeonatos. Vejamos:
Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:
…
§ 4º Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da Seguridade Social, ressalvadas as peculiaridades constantes desta Lei, especialmente as seguintes:
…
V – Férias anuais remuneradas de 30 (trinta) dias, acrescidas do abono de férias, coincidentes com o recesso das atividades desportivas;
É importante destacar que, para os jogadores de futebol, há a necessidade de ser entendido o período aquisitivo de fériascomo sendo o da temporada disputada, e não o período de doze meses após a sua contratação, em razão das circunstâncias especiais do contrato de trabalho do atleta. Vejamos, a seguir, parte de uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho, da Segunda Região neste sentido:
PROCESSO TRT/SP PJE Nº 1002073-58.2017.5.02.0063
RECURSO ORDINÁRIO
RECORRENTES: SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS E MAIKON FERNANDO SOUZA LEITE
RECORRIDO: OS MESMOS E SPORT CLUB DO RECIFE
ORIGEM: 63ª VARA DO TRABALHO/SÃO PAULO
RELATORA: JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA
EMENTA
I- RECURSO ORDINÁRIO DA PRIMEIRA RECLAMADA SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS
1. Atleta Profissional. Férias proporcionais/2013. Período aquisitivo. Temporada. O período aquisitivo do descanso anual remunerado, no tocante ao atleta profissional do futebol, não leva em conta a data da admissão, mas sim corresponde à “temporada”, isto é, ao interregno compreendido entre janeiro e dezembro de um mesmo ano, ao passo que o período de gozo coincide com o recesso dos clubes, ou seja, o lapso entre dezembro (ao término da temporada) e janeiro do ano seguinte (artigo 28, § 4º, inciso V, da Lei 9.615/98). Por outro lado, conquanto o atleta não esteja obrigado a cumprir 12 (doze) meses de trabalho para adquirir o direito à fruição das férias de 30 (trinta) dias, quanto à remuneração do descanso anual em si, há de se observar a proporcionalidade do tempo de prestação de serviços dentro de cada “temporada”. Nessa quadra, cumpria à primeira ré a prova da quitação das férias proporcionais à temporada/2013, diante da condição de benefíciária dos serviços do obreiro no interregno de 01/01/2013 até 21/07/2013, do qual não se desvencilhou a contento, eis que a prova documental ofertada nada informa nesse sentido, impondo-se a integral mantença da condenação imposta pela Origem, nesse particular.
Contudo, a iniciativa dos clubes de futebol no Brasil emdispensar atletas de comparecerem aos treinos em seus centros de treinamento, mas, determinando que estes continuem a realizar exercícios físicos, diariamente, segundo as determinações da comissão técnica, em suas próprias residências (ou parques públicos e afins), descaracterizaférias, pois os jogadores continuam a receber ordens dos seus empregadores.
A ideia básica das férias é dar um período de tempo para que o empregado possa descansar o seu corpo e sua mente, sem precisar ter de cumprir com as suas obrigações contratuais e sem ter o compromisso de atender ao empregador quando este procurar o empregado em seu período de férias. É o período em que o empregado nada precisa fazer relacionado ao seu contrato de trabalho.
Assim, juridicamente, o que está acontecendo neste momento não pode tratado como férias, porque as obrigações do contrato de trabalho continuam a existir, para o empregado que deve continuar a fazer os exercícios físicos passados pelas comissões técnicas, revelando assim que este período é, na verdade apenas – por mais difícil que seja associar a atividade dos atletas – um teletrabalho.
Isso porque o atleta empregado continua a trabalhar, agora de sua residência, fazendo o condicionamento físico segundo as normas do clube, mas, custeando o valor da energia elétrica dos equipamentos, se o atleta tiver equipamentos eletrônicos, ou ainda a compra dos equipamentos que venha precisar a utilizar para este fim.
É por isso que este período em que os atletas estão em suas residências não pode ser chamado de férias: porque há exigências de treinamentos físicos por parte do empregador. Pelo que podem ser os clubes cobrados na Justiça do Trabalho ao final, pela aplicação do disposto no artigo 9º da CLT, que determina ser nulo todos os atos efetuados destinados a fraudar a legislação trabalhista.
Desta forma, o atleta que tiver como comprovar o recebimento de ordens relativas a exercícios físicos e a cobranças destes resultados, poderá apresentar demanda, seja na Justiça do Trabalho como na Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD), para buscar depois o recebimento deste valor das férias, caso não lhe seja concedido o necessário período efetivo de férias, após o retorno dos campeonatos.